Raramente nos damos conta de que por trás de uma obra pode não estar nenhuma das idéias suscitadas por sua mera visualização. Raramente nos damos conta de que a consumação do propósito do artista pode acabar anulada pelo hábito de nos dirigirmos, de maneira automática, ao título e descrição antes da apreciação de seu trabalho. Às vezes a curadoria da exposição considera esses fatores e dispõe as informações num lugar reservado, por onde o visitante só passará após ter vivenciado a obra. Às vezes é o acaso que conspira a nosso favor. Nos esquecemos de cumprir o ritual e, sem a interferência de descrições ou títulos, acabamos tendo a experiência almejada pelo artista. Boas recordações, quando não planejadas, dependem sempre dessas peças que o destino nos prega.
Talvez os hábitos sejam um entrave à arte. Talvez, pelo contrário, existam para mostrar que surpresas são importantes, que não devem ser vulgarizadas, e que se partíssemos do princípio de que algo nunca é o que parece ser, estaríamos no reino do caos. Não poderíamos alimentar expectativas, nem mesmo a de vê-las contrariadas. O mundo, ainda bem, jamais será assim, porque se algo se manifesta sob determinada aparência, é unicamente porque sua essência assim o permite. Logo, o que consideramos surpresa consiste na demonstração de um equívoco em que incorremos: o de condicionar a uma única essência uma aparência que pode ser a mesma para várias essências diferentes. Coisas diferentes nos aparecem sob a mesma forma a todo instante. Conclusões óbvias deixam de aparecer em nossos condicionamentos. É assim a natureza. E sabe-se lá o porquê.
Diante disso, o importante é jamais esquecer: para que não tenham o impacto diminuído, algumas obras só devem ter o título conhecido após vivenciadas. Do contrário, serão apenas confirmações daquilo com que acabamos de tomar contato num texto. Já chegaremos prevenidos, com o espírito programado para determinada situação, e as possíveis surpresas serão anuladas. Portanto, se a obra aparenta guardar um segredo, o melhor é deixar para conhecer-lhe o título e a descrição após a fruição. Se, depois, as informações acrescentarem algo de novo, não percebido durante a fruição, basta voltar para fruí-la novamente.
Pairando no ar, a nuvem do belga Peter de Cupere tem o interior acessado por uma escada. Uma luminária acesa demonstra que nenhuma ameaça espreita o fruidor. Nenhuma ocultação está em jogo. Nenhum susto lhe será infligido.
À maior aproximação, comprova-se que ali não há nada além de uma nuvem. Seu interior mostra-se vazio e a beleza sedutora da textura persuade à penetração para que a obra seja finalmente desvendada.
A subida tem início mas, dois degraus acima, as mãos, antes desejosas pela participação na experiência, renunciam ao toque, obrigadas a concorrer para o equilíbrio corporal. O tato, sabe-se agora, não tomará parte no evento. A visão, também ela, começa a se mostrar pouco útil, pela perda da abrangência da totalidade da obra. A atenção volta-se apenas para o instante da entrada, e nada mais.
Já no interior da nuvem, se consumam a fruição e o momento máximo da obra. Visto de fora, o participante impõe-se como elemento outrora ausente da composição, enquanto que, dentro, descobre que não vivencia nada do que era esperado. O interior recende a fumaça e a experiência, até então prazerosa, transmuta-se num evento profundamente desagradável.
Essa é a obra. Quanto mais ascendemos, mais descobrimos os desdobramentos ignorados de nossos atos. Mais renunciamos a desejos. A ilusão, a sedução, o fascínio pela beleza, são anulados quando estamos no cerne da verdade.
Você pode questionar o uso político que se faz do ambientalismo. Pode discordar do alarmismo e da economia estabelecida em torno de diagnósticos apocalípticos. Mas a nuvem de Peter de Cupere não aponta culpados nem oferece soluções. Refere-se, apenas, a um fato que pode, inclusive, ser transposto em analogias para outros âmbitos da vida. O julgamento fica por conta de cada um.
Nada mais contemporâneo. Nada mais tradicional. A arte, em seu sentido moral e pedagógico, é aqui atualizada na temática, na linguagem e nos meios de recepção; dirige-se ao indivíduo e o torna testemunha de uma experiência única.
Peter de Cupere nasceu em 1970 e realizou as primeiras exposições de arte olfativa na década de 90.
Smoke Cloud foi idealizada em 2013 e é composta por resina epóxi, madeira, metal, algodão sintético e aroma de fumaça. Seu diâmetro aproximado é de 2,60 metros.
Talvez os hábitos sejam um entrave à arte. Talvez, pelo contrário, existam para mostrar que surpresas são importantes, que não devem ser vulgarizadas, e que se partíssemos do princípio de que algo nunca é o que parece ser, estaríamos no reino do caos. Não poderíamos alimentar expectativas, nem mesmo a de vê-las contrariadas. O mundo, ainda bem, jamais será assim, porque se algo se manifesta sob determinada aparência, é unicamente porque sua essência assim o permite. Logo, o que consideramos surpresa consiste na demonstração de um equívoco em que incorremos: o de condicionar a uma única essência uma aparência que pode ser a mesma para várias essências diferentes. Coisas diferentes nos aparecem sob a mesma forma a todo instante. Conclusões óbvias deixam de aparecer em nossos condicionamentos. É assim a natureza. E sabe-se lá o porquê.
Diante disso, o importante é jamais esquecer: para que não tenham o impacto diminuído, algumas obras só devem ter o título conhecido após vivenciadas. Do contrário, serão apenas confirmações daquilo com que acabamos de tomar contato num texto. Já chegaremos prevenidos, com o espírito programado para determinada situação, e as possíveis surpresas serão anuladas. Portanto, se a obra aparenta guardar um segredo, o melhor é deixar para conhecer-lhe o título e a descrição após a fruição. Se, depois, as informações acrescentarem algo de novo, não percebido durante a fruição, basta voltar para fruí-la novamente.
Pairando no ar, a nuvem do belga Peter de Cupere tem o interior acessado por uma escada. Uma luminária acesa demonstra que nenhuma ameaça espreita o fruidor. Nenhuma ocultação está em jogo. Nenhum susto lhe será infligido.
À maior aproximação, comprova-se que ali não há nada além de uma nuvem. Seu interior mostra-se vazio e a beleza sedutora da textura persuade à penetração para que a obra seja finalmente desvendada.
A subida tem início mas, dois degraus acima, as mãos, antes desejosas pela participação na experiência, renunciam ao toque, obrigadas a concorrer para o equilíbrio corporal. O tato, sabe-se agora, não tomará parte no evento. A visão, também ela, começa a se mostrar pouco útil, pela perda da abrangência da totalidade da obra. A atenção volta-se apenas para o instante da entrada, e nada mais.
Já no interior da nuvem, se consumam a fruição e o momento máximo da obra. Visto de fora, o participante impõe-se como elemento outrora ausente da composição, enquanto que, dentro, descobre que não vivencia nada do que era esperado. O interior recende a fumaça e a experiência, até então prazerosa, transmuta-se num evento profundamente desagradável.
Essa é a obra. Quanto mais ascendemos, mais descobrimos os desdobramentos ignorados de nossos atos. Mais renunciamos a desejos. A ilusão, a sedução, o fascínio pela beleza, são anulados quando estamos no cerne da verdade.
Você pode questionar o uso político que se faz do ambientalismo. Pode discordar do alarmismo e da economia estabelecida em torno de diagnósticos apocalípticos. Mas a nuvem de Peter de Cupere não aponta culpados nem oferece soluções. Refere-se, apenas, a um fato que pode, inclusive, ser transposto em analogias para outros âmbitos da vida. O julgamento fica por conta de cada um.
Nada mais contemporâneo. Nada mais tradicional. A arte, em seu sentido moral e pedagógico, é aqui atualizada na temática, na linguagem e nos meios de recepção; dirige-se ao indivíduo e o torna testemunha de uma experiência única.
Peter de Cupere nasceu em 1970 e realizou as primeiras exposições de arte olfativa na década de 90.
Smoke Cloud foi idealizada em 2013 e é composta por resina epóxi, madeira, metal, algodão sintético e aroma de fumaça. Seu diâmetro aproximado é de 2,60 metros.
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