sexta-feira, 7 de maio de 2010

Arvo Part - Summa

Tapiola Sinfonietta
Jean-Jacques Kantorow


     A interpretação da música instrumental de Arvo Pärt costuma ser associada aos nomes de Tõnu Kaljuste, Neeme Järvi, Dennis Russel Davies e à Orquestra Sinfônica da Estônia. Suas peças vocais também encontraram na sonoridade de Paul Hillier o mesmo complemento de identidade que passou a ser esperado pelos fãs a cada novo lançamento. Essas relações estabeleceram-se em grande parte pela alta qualidade dos registros do selo ECM durante as últimas décadas e tornaram-se garantia de interpretações confiáveis, feitas muitas vezes sob a supervisão do próprio compositor. Infelizmente bons títulos acabaram assim mantidos sob a suspeita do público, sem receber a mesma projeção dos lançamentos tidos como 'oficiais' de suas obras.
          O cd da Tapiola Sinfonietta com Jean-Jacques Kantorow é desses achados que merecem ser alçados à categoria de referência. Lançado em 1997 pela BIS, é atualmente distribuído pela Naxos e encontrado no Brasil apenas sob encomenda nas importadoras. A recompensa pelo preço elevado é uma verdadeira aula de interpretação, cuja seleção primorosa abrange várias fases da criação do compositor.
          Collage sur Bach, de 1964, foi construída a partir de temas barrocos retrabalhados sob a ótica contemporânea. No decorrer dos três movimentos o emprego de clusters e texturas conflitantes é conduzido pelos eixos harmônicos da composição, que ora atuam como ponto de partida para novas explorações, ora como resolução das dissonâncias da linguagem moderna. O segundo movimento, Sarabande, é sem dúvida o mais forte e resume o caráter de toda a obra - antecipa elementos do concerto Pro et Contra para violoncelo e orquestra, de 1966, e revela aspectos autobiográficos do compositor que compreendem o desenvolvimento de sua produção nas décadas seguintes.
          Com o passar dos anos várias obras de Pärt receberam novas instrumentações. A mais revisitada foi Fratres, que se tornou conhecida em sua versão para violino e orquestra. A edição apresentada no cd é de 1991, para cordas e percussão. Sem abandonar a essência meditativa da obra, a leitura aqui é quase didática pela gradação meticulosa das dinâmicas e equilíbrio do conjunto sonoro na alternância das sequências em tutti.
          Cantus in Memoriam Benjamin Britten foi escrita em 1977, ano seguinte à morte do compositor inglês. Próximo a Pärt mais pela espiritualidade pacífica que por qualquer outra idéia, Britten o inspirou a utilizar escalas em velocidades diversas numa orquestra de cordas acompanhada por toques de sino. A peça é essencialmente simbólica ao proclamar a redenção da alma e a a vitória do espírito sobre a matéria.
          Summa para cordas foi escrita a partir do Credo da Missa de Berlim e recebeu aqui uma de suas  grandes interpretações. Num tempo perfeito, as frases revelam a melancolia persuasiva de suas três notas - sol, si bemol e ré - e o efeito de seus encontros nos diferentes instrumentos da orquestra.
          A introspectiva Festina Lente é de finais dos anos 1980 e tem como base a execução de vozes em variadas velocidades característica da polifonia renascentista. Kantorow prepara aqui um prolongado silêncio para as frases de encerramento com fortes cargas de dramaticidade.
          Composta em 1977, Tabula Rasa é considerada a obra instrumental mais importante de Pärt. Ainda bastante presente, o experimentalismo na combinação de timbres ganhou reforço com a técnica do piano preparado. Uma poderosa verve marca seus dois movimentos com texturas notáveis, mas grande parte da atenção acaba envolvida pela própria construção da obra. A expectativa de um desfecho inevitável dá margem a inúmeras acepções. A mais comum a vê como um acúmulo gradual de tensão durante as reexposições de seus dois temas até que estes se tornem insustentáveis e se desintegrem como numa explosão. O segundo movimento seria portanto a flutuação no espaço entre os destroços da enorme massa sonora desmantelada. A obra perde sua dinâmica e reduz-se a cada sequência até desaparecer, inaudível.
          O cd tem forte apelo ao público jovem, principal segmento dos admiradores do compositor. Criticado pelo sucesso e cultuado em meios tão diferentes quanto tradicionalistas religiosos, experimentalistas e new-agers, Pärt ganhou em 1997 uma biografia estilística de Paul Hillier, seu maior intérprete. Marketing, sem dúvida. Mas música da melhor qualidade.

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