segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Villa-Lobos - Nonetto e Quatuor


Villa-Lobos    Nonetto e Quatuor
The Roger Wagner Chorale e The Concert Arts Ensemble          Reg: Roger Wagner
The Brazilian Festival Orchestra e Schola Cantorum                    Reg: Hugh Ross

     Uma gravação de Nonetto ou Quatuor de Villa-Lobos já é um achado. Duas versões num mesmo cd então, uma verdadeira relíquia. O lançamento traz também uma seleção de estudos e prelúdios para violão interpretados por Segovia, Julian Bream e Laurindo Almeida, mas as primeiras obras se destacam de longe do conjunto.
          Atualmente, passado quase um século da criação dessas peças, pode-se considerá-las composições irmãs. Ambas são fruto do apogeu criativo de Villa-Lobos, a década de 1920, a década dos Choros, e foram executadas em Paris na mesma época que outro nome da música brasileira, Bidu Sayão, despontava no cenário internacional. Nonetto foi recebida com críticas elogiosas pela Revue Musicale. No Brasil, acolhida numa São Paulo já menos provinciana, arrefecida pela Semana de 22. A execução foi bisada, enquanto no afrancesado Rio de Janeiro, perdido ainda na Belle Époque, predominava a ofensa debochada de comentaristas como Américo Guanabarino, um sujeito para quem Beethoven e Wagner encerravam as possibilidades da arte musical.
          Nonetto é violenta, irregular. O papel do coro é heterodoxo, às vezes incoerente e, talvez por isso, o subtítulo Impressão Rápida de todo o Brasil a honre mais que outro, também possível, Impressão Rápida do Ciclo de Choros. Ironias à parte, não há nada estranho, se lembrarmos que a obra é da mesma lavra dos Choros 7, 8 e 10. A mesma apoteose bárbara, rítmica, e a mesma onomatopéia cacofônica de Rasga o Coração a destinguem na produção do autor. Pode ser que os Choros a tenham superado ou tornado obsoleta, embora haja muita riqueza de idéias nos seus 14 minutos. Há também um detalhe inusitado. A certa altura o coro feminino solta um suspiro à moda antiga, daqueles já em desuso, típicos da herança portuguesa.
          A outra peça do Cd, Quatuor, é como uma jóia que permanece oculta anos a fio, longe dos olhos, e reaparece tímida para um público seleto, em ocasiões específicas - o que é lamentável. Quatuor faz parte da História do Brasil. Uma peça que foi executada na Semana de 22 com cenário criado sob supervisão de Villa-Lobos, uma peça universal, que tem o melhor de um Debussy ou Stravinky, uma peça cujas vaias recebidas culminaram na prisão de alucinados prontos para atirar ovos nos intérpretes - uma peça dessas merece lugar proeminente na História de nossa Arte.
          Quatuor é repleta de invenção. No primeiro movimento a instrumentação de flauta, harpa, celesta e sax alto cria imagens de uma obscuridade melancólica, mas tudo muda na sequência final. Já no segundo movimento a entrada do coro feminino em bocca chiusa tem algo de telúrico, mágico, onírico. O último movimento é marcado pelas frases obstinadas da celesta e da harpa, que sugerem a renovação otimista da obra. Aqui Villa-Lobos mais cria que sugere, mais reproduz que narra. E a música torna-se participante real de um acontecimento irreal.
          As gravações do Cd são de 1940 e 1957. As interpretações de 1940 são claramente menos trabalhadas que as da década seguinte e mesmo a versão de Quatuor dessa data, com coro também no 1o movimento, não abrange a variedade de cores e evocações da mais recente. Para estabelecer uma tradição interpretativa que possibilite melhores comparações, o que falta são novos lançamentos dessas obras, de preferência por músicos brasileiros, a exemplo do realizado com os Choros, Bachianas e a integral das peças para violão. Esperemos.

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