segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Gabriela Montero - Piano Recital

G
Gabriela Montero
Piano Recital

     Alguns intérpretes se especializam em determinado período histórico. Outros se destacam pela gravação da integral de um compositor. Há os que aparecem de vez em quando, sorrateiros, e os que não saem do palco temendo o esquecimento. Há também os conhecidos por se apresentarem em duos ou a vida toda com a mesma orquestra. Isso sem falar dos intelectuais, aqueles da mitologia, cujas aparições viram motivo de eterna discussão entre detratores e apaixonados. 
          Gabriela Montero é de uma espécie diferente. Achou o filão do improviso. Seus registros são feitos de uma única vez, já que um improviso não pode - ou pelo menos não deve - ser elaborado de antemão ou editado.  E, claro, as faixas do Cd onde sua criatividade trabalha são indicadas para prevenir desavisados e atrair os que buscam alguma novidade nas prateleiras que se renovam cada vez menos. 
          No primeiro disco está sua interpretação para Rachmaninov, Scriabin, de Falla, Granados, Ginastera, Chopin e Liszt. No outro estão suas improvisações sobre temas conhecidos desses compositores e também alguns de sua própria autoria. A qualidade da gravação de ambos é excepcional e capta um brilho do piano impossível de ser ouvido nas salas de concertos.
          A interpretação de Gabriela Montero é efusiva, impetuosa, seu fraseado é claro e definido, mas o mais interessante aqui é sua capacidade para lidar com opostos. Percorre facilmente a robustez de Rachmaninov e o requinte quase desprezado de um Enrique Granados ou de um Scriabin; transita por nações e gerações na busca de um impacto no ouvinte. O caso de Scriabin, aliás, é curioso porque suas obras não tem emplacado no repertório e andam meio esquecidas. Incluí-las num cd significa salvá-las do confinamento dos conservatórios.
          O disco seduz pela emoção. Alterna faixas contrastantes e acentua o critério de sensibilidade do ouvinte para o julgamento das interpretações. Além do confronto Rachmaninov-Scriabin há também o de Chopin, com o Noturno Op. 27 n.2 e a Fantasia Improviso Op.66. A primeira Dança Espanhola de La Vida Breve de Manuel de Falla seguida de uma das Goyescas de Granados acompanha o mesmo princípio, reforçado ainda mais pelas Três Danças Argentinas, de Ginastera. A terceira dança, del Gaucho Matrero, é tão Villa-Lobiana que se pode acusar-lhe a inspiração sem receio de ferir orgulhos. Para encerrar o Cd, a Valsa Mefisto de Liszt recebeu cores vibrantes e toques imperativos. As liberdades são percebidas de cara. O resultado é bom.
          O segundo Cd é o de releituras de temas conhecidos. Nada muito profanador. O propósito é basicamente a satisfação de se criar música. As idéias surgem espontâneas, de ouvido, e, talvez por isso, tenham sempre um sabor padronizado, jazzístico, Gershwiniano. Seguem a mesma receita, mas revelam também o talento da intérprete para o Romantismo e o Tango. Gabriela Montero daria uma excelente criadora de cadências. Com Beethoven terminaria no piano a audácia que Schnittke iniciou pelo violino e transformaria o improviso bem-comportado numa verdadeira provocação iconoclasta.


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