quinta-feira, 13 de junho de 2019

José Bechara - Presença, Espaço e Tempo


O início das atividades do carioca José Bechara (n.1957) foi marcado pela exploração de concepções pictóricas ampliadas, baseadas na conjugação, sobre superfícies como lona e couro, de tintas acrílicas e metais oxidados. Assentada numa consideração pessoal da tradição Construtiva, essa investida superou os limites bidimensionais e irrompeu no espaço. Obras em três dimensões ganharam a atenção do artista e passaram a coexistir com a pesquisa inicial, como perquirições paralelas e correlatas.

Em 2017, três dessas obras tridimensionais compuseram a mostra Fluxo Bruto, com curadoria de Beate Reifenscheid, no MAM-RJ. As criações demonstram o atual status dessas investigações, determinadas pela agregação de preceitos relacionais à fruição. Nelas, mais do que limitado à simples contemplação, o observador é convidado a operar, por si, igualmente o testemunho da indissociabilidade dos componentes temporais e espaciais das obras e a realizar, assim, o sentido integral das propostas.

Miss Lu, da série Esculturas Gráficas, 2007-2017

A primeira dessas obras é Miss Lu. Composta por cubos vazados, tratados de modo não-hierárquico, os elementos acusam de imediato uma desordem. Ao perscrutar a criação, o observador descobre, no entanto, que sua própria mobilidade revelará a razão estruturante daquilo que presencia. Aos poucos, a vivência dos diferentes pontos de vista experimentados é organizada, até que a concreção da experiência seja finalmente operada. Sobre a fragmentariedade dos instantes de percepção prevalece então a unidade intelectiva do conjunto. E o observador torna-se testemunha de que, para além da desordem apreendida pela visão, existe uma lógica dispositiva oferecida unicamente por sua experiência.

Angelas, 2017

Outra obra, Angelas, de 2017, se destaca pelo emprego de maciças esferas de mármore, cujo peso ultrapassa 1 tonelada. Grandes planos de vidros se intercalam aos elementos esféricos, todos pendentes. Solidez e fragilidade têm na força gravitacional um fator crítico, expondo a precariedade da relação. O mínimo contato levará à paradoxal desintegração da obra. Mas a inércia é absoluta, proporcionando uma surpreendente experiência de suspensão temporal.
Também aqui os elementos se equivalem, sem nenhuma hierarquia, já que o plano de vidro, elo materialmente frágil da relação, é responsável pela reflexão da esfera maciça - o que a torna, portanto, dependente da fragilidade de seu par. Na concepção integral da obra, a virtualidade - o reflexo - equivale em importância à materialidade. Uma inexistiria sem a outra, sendo, mais uma vez, a experiência sob múltiplos ângulos necessária à estruturação da compreensão do conjunto.

Sobre Amarelos, 2017

Semelhante exploração da reflexividade pode ser atestada em Sobre Amarelos, também de 2017. Nessa obra, dois cubos são intercalados por placas de vidro, foscas e transparentes. Enquanto a fosca opera a diluição da forma no espaço, a transparente a replica, estabelecendo um plano posterior que, ao promover uma ampliação espacial, estabelece também uma dimensão nova, virtual, para a consideração da presença do próprio observador no espaço.

Embora requeiram uma disposição intelectual, as três criações proporcionam um exercício analítico eminentemente empírico, sem qualquer pretensão normativa. O que é testemunhado refere-se ao contexto das obras e da arte, podendo ou não ser transposto, por analogias, a demais âmbitos da experiência humana.

Nas três criações, José Bechara proporciona distinções por vezes incompreendidas entre robustez e predominância, testemunho intelectual e sensorial, realidade e virtualidade, ordem e ponto de vista. Para a realização das propostas, a presença e mobilidade humana são imprescindíveis, o que reafirma o caráter participativo e o testemunho individual da arte.


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