quinta-feira, 28 de abril de 2011

Gao Ping - Sons da China contemporânea




     Gao Ping. O nome, certamente, você descobriu na internet. E aí surgiu a dúvida: Quem é o sujeito, afinal ?
          Gao Ping é daqueles compositores que, como Reza Vali, Avner Dorman e Lefanu, ganharam notoriedade com o incremento do repertório contemporâneo da Naxos. Se nesse mundo raras apostas dão certo, poucas mal se pagam e a maioria malogra, ter a obra divulgada por um selo de distribuição mundial - o único a sobreviver a crises, pirataria e investidas de empresários pouco afeitos à arte sonora - significa portas abertas para algum reconhecimento, nem que seja o de meia dúzia de extravagantes interessados em música chinesa contemporânea.
          A tendência de se enquadrar a produção artística da China atual no engajamento pela reabertura do país não é, no caso de Gao Ping, muito válida. Pelo menos a política não é - ou não tem sido até o momento - o enfoque de sua obra e quem estiver à procura de correspondentes sonoros às críticas de Yue Minjun, Ai Weiwei e Zhang Xiaogang ficará desapontado. Nascido em 1970, filho de músicos - o pai compositor e a mãe cantora - Gao Ping também não corresponde ao lugar-comum de representante de tradições orientais milenares. Sua música é essencialmente ocidental, espiritualmente contemporânea e vagamente inspirada em aspectos da vida de seu país - aspectos vistos, evidentemente, pelo prisma da música contemporânea do ocidente. Não fosse por esse último detalhe seus cds não seriam digeríveis pela estética globalista e acabariam vendidos sob outros rótulos de mercado.
          A obra de Gao Ping não é grande, mas oferece de cara uma série de dificuldades para julgamento. De onde deve partir a sua apreciação: Dos aspectos inventivos ? Das reminiscências culturais ? Da inserção na linguagem atual ? Da estruturação das partituras ?
          Em seu catálogo depara-se, por exemplo, com obras como Concealed Kisses para piano e vocalizo, onde o canto do intérprete margeia o falsete. O instrumento executa frases em ostinato e tudo soa muito estranho mesmo para os critérios mais elásticos. A dúvida que fica é se vale o risco de compreender a peça como depositária de alguma tradição e parecer ridículo aos olhos de um chinês que saiba exatamente do que se trata. Mais ou menos como tomar Roberto Carlos por Wagner ou Papai Noel por um dos Reis Magos. Contemplating Tango, uma de suas criações para violino e piano, também é um verdadeiro tango "made in China". De tão fragmentado, o ritmo poderia se passar por qualquer outro que não o portenho, até mesmo um samba. Mas crossover é a palavra de ordem e, se bobear, Anibal Troilo e Piazzolla serão logo suplantados pelos adeptos da nova onda e considerados elitistas, puristas reacionários, representantes de um estágio inferior do desenvolvimento humano.
          É claro que nem toda a criação de Gao Ping merece tanto ceticismo. Quem prestar atenção vai reparar de cara que seus glissandos são herdeiros do Erhu, um instrumento de cordas tradicional chinês. Outras peças também têm argumentos interessantes, como Shuo Shu Ren, baseada nas narrativas de contadores de história que atuavam nas velhas casas de chá em sua província natal. Das obras para piano solo, Distant Voices deixa no primeiro movimento, Nostalgia, um pedido de bis, enquanto sua segunda Sonata para violoncelo e piano daria uma excelente trilha sonora.
          Passada a curiosidade da descoberta, resta a dúvida sobre o que dessas peças permanecerá. Se por enquanto de sua invenção não surgiu nenhum tema memorável, nenhuma grande idéia ou contribuição importante à arte musical, recentemente Gao Ping escreveu um concerto para piano e orquestra bem recebido pela crítica. Aos poucos começa a dar rumo próprio a sua linguagem e a deixar de lado certos melindres dos recém-chegados. A aposta está feita.

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