domingo, 8 de maio de 2011

Psicologia das Ruínas - Uma Investigação Analógica e Simbólica



 Fórum Romano - Templo de Saturno

Uma ruína antiga. Um templo destruído. Arcos quebrados, tijolos à mostra. Colunas, blocos de pedra, restos de esculturas abandonados pelo chão. A imagem nos evoca um mundo sublime, esplêndido. Algo grandioso ocorreu ali. Sua nobreza é reconstruída por nossa imaginação. De onde vem a força dessa ruína ? Por que um edifício moderno entregue à natureza é incapaz de carregar tal significado ?
A arquitetura moderna envelhece mal. Ferros corroídos, cimento esfarelado, materiais em diversos estágios de decomposição. A imagem é de uma terrível decadência e o sentimento é o de que por ali nossa vida estará em risco. As causas dessa impressão parecem insondáveis. Não se experimenta medo no Forum Romano, no Coliseu, na Acrópole; tampouco numa velha capela ou sede de fazenda. Até a vista de uma catedral bombardeada desvia nosso pensamento do crime histórico para um estado contemplativo. Um psicanalista diria que tudo não passa de prazer ante a realização de um desejo reprimido; outro, que se trata de um instinto de destruição análogo ao do criminoso.


Igreja de Santa Úrsula - Colônia, Alemanha, após o bombardeio de 1942

Diante desse enigma sórdido (o que significa uma ruína senão o fim, a perda, a morte ?) os indícios para desvendá-lo mostram-se escassos, ocultos. O que há numa construção antiga que está ausente na moderna ? A técnica construtiva parece indicar a solução do problema. Por empregarem materiais similares (tijolos, barro, cal) as ruínas antigas se distinguiriam em nobreza das que empregam materiais heterogêneos como cimento e armações de ferro. Mas a pista é falsa. Edificações totalmente metálicas resultam em péssimas ruínas e evocam nada menos que o fracasso de algum empreendimento, sua falência ou crises econômicas. A explicação não passa exclusivamente pela essência material das edificações. O caminho da investigação é, portanto, outro.
Devemos então procurar nas construções antigas um aspecto - um elemento de intervenção - que seja capaz de perturbar de alguma forma a percepção de seu espírito original sem que envolva modificações na essência material do edifício, já que sua essência deve ser preservada integralmente para evidenciar o contraste com a interferência. Não é difícil. Uma obra de restauro, por exemplo. Não há modificação da essência das paredes de uma igreja, de seu volume, de sua localização. As paredes continuam as mesmas. O que sofreu renovação foi a pintura. Os douramentos foram refeitos, estão mais brilhantes; o verniz de uma janela foi substituído por outro, mais homogêneo. A pintura está mais clara, lisa; perdeu-se a pátina. O resultado da intervenção é visível. Percebe-se um contraste entre o que seria próprio do antigo (a pátina, a rugosidade, a descamação) e o que é próprio do novo (o brilho, a homogeneidade, o polimento).
A igreja restaurada parece uma senhora disfarçada de menina. Por trás do novo aspecto - dos brincos joviais e do batom colorido - está uma anciã, centenária, cujos paramentos não condizem com o que é próprio da velhice. Por analogia oposta uma construção moderna mal-conservada é como uma criança de aparência envelhecida, repleta de rugas, afetada pela debilidade e calvície.
A diferença entre uma edificação antiga e outra moderna está, portanto, no que atribuímos a cada uma delas, no que cada uma simboliza. Um templo grego, erguido para a veneração de deuses ancestrais, cujas vidas precederam em termos imemoriais a própria civilização, aponta para um caminho oposto ao da arquitetura moderna, voltada para o futuro, para o sonho do progresso de nossa sociedade. É próprio do passado, do imemorial, do remoto, o desmoronamento e a ruína. É próprio do futuro o vigor, o arrojo, a firmeza.
Assim como é preciso deixar que o tempo, o pó, reenvelheça o aspecto da igreja restaurada para que esta deixe de ser a anciã disfarçada de menina, é preciso que a construção moderna não pereça, sob o risco de parecer um herói decrépito, cuja bravura foi despendida em vão.
A ruína de um edifício moderno simboliza, portanto, o fracasso de nossos planos, de nossos sonhos, de nossa vida. O fracasso de nós mesmos. Por isso a tememos.



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Um comentário:

Anônimo disse...

Incrível, a interpretação desse ponto de partida ficou perfeita