terça-feira, 3 de dezembro de 2024

Os desenhos de Chrystian Peixoto


Marcados por influências do expressionismo e da psicodelia, os desenhos de Chrystian Peixoto abordam temas humanos e regionais potencializados por um rico imaginário. Essas criações a lápis, canetas coloridas e nanquim são de verve espontânea e apresentam cenas povoadas por manifestações da mente e da natureza. Nelas, a espacialidade segue concepções alternativas. Poucas áreas são deixadas em branco, numa constante substancialização dos vazios.  

Personificando ideias que se correlacionam, os elementos dos desenhos de Crystian possuem autonomia e caráter. Dos personagens emanam fluxos de formas e cores, fazendo com que pairem no ar ou vagueiem sobre um chão, de onde emergem rostos que se propagam no horizonte. No conjunto da produção, identificam-se recorrências, como o sol, estradas e libélulas. Mais do que um simples repertório visual, esses elementos atuam como símbolos, evocando ideias. A estrada, relacionada à vida, remete ao destino, a um caminho a ser seguido. O sol é uma fonte de energia e poder; ele rege, dá orientação e sentido. Já as libélulas evocam a pureza, anunciam a chuva, a renovação, e também denotam encanto, por serem duplamente aladas.


Mas esses elementos podem guardar significados ainda mais específicos que, quando descobertos, redirecionam a compreensão da obra. Ao sol, por exemplo, Chrystian associa a justiça e a luz divina, lembrando das forças que instituem paz e alegria, ao ordenarem o caos.

Para além do protagonismo temático, as figuras humanas revelam-se, muitas vezes, a causa mesma das cenas. Geralmente sob estímulo psicológico ou emocional, estão empenhadas em danças, encontros ou situações propícias à manifestação de forças interiores. Quando não estão representadas na totalidade, suas partes extravasam essa energia - notadamente mãos, rostos e também pernas, que se abrem para o nascimento. Por toda a composição reverbera o estado de espírito dos personagens, revelando o teor expressionista das obras.

No aspecto formal, as figuras femininas contribuem sobremaneira para a fluidez do conjunto, seja pelos vestidos esvoaçantes, seja pelos cabelos que, longos, relacionam-se à variedade de elementos ondulantes da composição. Frequentemente, aparecem cercadas de bocas e olhos, o que provoca estranhamento pela sensação de ruptura em nossa relação com a obra enquanto objeto. O observador torna-se, também ele, observado.

Os desenhos de Chrystian Peixoto demonstram a todo instante que, ao contrário do que propagam certas ortodoxias recorrentes, o figurativismo não se restringe à repetição do consensual e do visível. Ao deixar de lado prejulgamentos morais e predeterminações da cultura, verdadeiros condicionadores criativos, o artista torna-se livre para explorar qualquer tema: abre-se para experiências interiores, inventivas e imaginativas; deixa-se levar por fantasias, sonhos e desejos para além da realidade material. Numa valoração particular, Chrystian oferece uma reinterpretação dos elementos de seu próprio cotidiano, seguindo, assim, uma lógica subjetiva, desvelando polissemias e novos símbolos, desenvolvidos a partir dos já conhecidos.

Ao fruidor, cabe abertura de espírito; cabe uma disposição favorável ao estabelecimento das relações e associações apresentadas pelo artista, que são muitas vezes surpreendentes. Seria um equívoco a busca de prescrições nessas obras, tanto quanto sua consideração desde pontos de vista meramente sociológicos ou antropológicos pelo fato de abordarem elementos de determinado meio cultural e geográfico. O conceito de regionalismo aqui deve prescindir de qualquer noção centralizadora, assentando-se, em vez disso, numa concepção plural e abrangente da experiência humana. A arte é, em essência, universal. Suas manifestações são metonímias: apontam para um todo, através de suas partes.

Os desenhos de Chrystian revelam um mundo fantástico, tantas vezes mais verdadeiro que o racional - um mundo criado pelo artista a partir de si, de suas vivências, circunstâncias e de um sensível imaginário.


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