sexta-feira, 7 de maio de 2010

A Sinfonia Renegada de Grieg


     Em 1980 o regente russo Vitaly Katayev aliou-se a funcionários da Biblioteca de Bergen para realizarem a façanha de suas vidas. Utilizando uma máquina de xerox, copiaram algumas antigas partituras e despacharam clandestinamente o material para a União Soviética. Com a encomenda em mãos, Katayev ensaiou sua orquestra e alardeou em escala internacional a apresentação da única sinfonia escrita por Edvard Grieg, mantida num armário havia mais de um século.
          A história toda começa em 1863. Grieg tinha vinte anos, estava em Copenhague e acabara de conhecer o compositor Niels Gade, que o acolhia nos círculos intelectuais da capital. Nesses ambientes dominados pelo culto a Schumann e Mendelssohn um grupo de artistas propunha independência. As aspirações nacionalistas de Rikard Nordraak impressionaram de imediato o jovem, que admirava seus planos de organizar uma sociedade para a divulgação da obra de compositores nórdicos.
          Grieg atendeu aos pedidos de Gade e Nordraak e mesmo sem dominar grandes formas musicais deu início à composição de sua sinfonia. Em apenas duas semanas o primeiro movimento estava concluído. Se a apresentação lhe trouxe algum reconhecimento, a obra, no entanto, só ficaria definitivamente pronta no ano seguinte, quando foi integralmente executada em Copanhague, Oslo e Bergen. Mais tarde, ao receber uma proposta de publicação, o compositor declinou com a justificativa de que a criação era de um período Schumanniano já superado. A essa negativa acrescentou uma proibição. Exigiu que após sua morte a partitura permanecesse na Biblioteca de Bergen acessível apenas como documento e jamais fosse executada.
          O motivo dessa interdição nunca foi compreendido. Além da previsível influência de Niels Gade, a sinfonia demonstra conhecimentos da linguagem de Mendelssohn, Brahms e Beethoven que o colocam num patamar bastante respeitável. Grieg também jamais negava as influências formais e estilísticas que Schumann exercia sobre sua produção para piano. É certo que nessa obra não há qualquer traço do nacionalismo que cultivaria mais tarde. Não há sequer contribuições significativas para o gênero sinfônico nem grandes sinais de inventividade. Mesmo assim sua escrita fluente e a instrumentação rica fazem a crítica contemporânea julgá-la uma peça perfeitamente adequada ao repertório orquestral.
          Em março de 1866 Grieg recebeu a notícia da morte de Nordraak. O amigo sonhador que tanto o havia estimulado e compensado a timidez partia sem deixar substituto. Decidido a casar-se com sua prima, a cantora Nina Hagerup, o compositor vislumbrou novos horizontes e retornou  definitivamente para a Noruega, onde dedicaria-se ao ensino e à divulgação de suas obras. Apesar do bom acolhimento, sentia-se isolado na própria terra. As boas notícias só chegariam três anos mais tarde, com o convite de Liszt para visitá-lo em Weimar.
          O período de Copenhague foi decisivo para a carreira de Grieg. A amizade com Gade e Nordraak encerrou uma época de desilusões vividas no Conservatório de Leipzig e estabeleceu as diretrizes de sua criação posterior. Recebido com simpatia nos círculos intelectuais da capital, desfrutou de momentos felizes e encontrou o estímulo necessário para escrever algumas canções, as Humoresques Op. 6 e publicar seu Op 2. A divulgação da Sinfonia em dó menor era, portanto, o elemento que faltava para a compreensão da importância que esses dois compositores tiveram para sua biografia.

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