domingo, 19 de junho de 2011

Saint Preux - Concerto pour une voix



     Saint Preux foi o pseudônimo inventado pelo francês Christian Langlade para divulgar um tipo de música em que tudo é permitido. Seu estilo meloso, afetado pelos recônditos do mau gosto, é marcado por doses bombásticas de depressão romântica e nostalgia que resultam na compreensão da vida como um mar de lama e rosas. Em poucos compassos o caráter de uma mesma peça varia tanto do profundo ao superficial quanto do introspectivo ao kitsch. Para completar a receita, ainda se percebe um barroquismo no fraseado.
          Apesar das críticas e ressalvas à sua obra - desse espanto provocado pelo primeiro contato - não há como negar a riqueza de idéias em suas melodias de acompanhamentos simples e contagiantes. Sua peça mais conhecida, Concerto pour une voix ,  foi um estouro de vendas. Rendeu fortunas. No início da década de 1970 milhares de discos com a capa do anjinho invadiram as lojas e do dia para a noite a peça virou trilha sonora de novelas, filmes de amor, vinhetas de rádio, reencontros e suicídios. No Brasil, lavou a alma do público de Ódio, filme policial protagonizado por Carlo Mossy que narra a vingança de um advogado contra os assassinos de sua família. Para o público seleto - uns esnobes - o compositor transformou-se em símbolo da desilusão estética; para as massas, em sinônimo de emoção à flor da pele. Casamentos bregas começaram e terminaram ao som de Saint Preux. Graças a seu Concerto milhares de bebês foram concebidos. E ficaram sem pai quando a moda passou.
          Concerto pour une voix  é uma obra difícil de se ignorar, principalmente se a versão ouvida for a de 1969, com Danielle Licari. Há muito do pathos da época, do som aberto da gravação, da mistura de instrumentos clássicos com o estilo vocal jazzístico e um élan dos Swingle Singers. Não se faz mais música assim. Há quem goste e quem escute apenas decadência do primeiro ao último compasso. Mas não há quem fique indiferente e, para o desespero dos mais conservadores, é bem provável que, com os anos, a obra venha a integrar o repertório clássico do século XX e entre nas salas de concerto.
          Saint Preux soube como poucos interpretar comercialmente o espírito de seu tempo. Além do Concerto, escreveu outras obras orquestrais como a Sinfonia para a Polônia  e Le Cris de la Liberté, essa última dedicada ao papa João Paulo II. As peças evocam um heroísmo coletivo em meio ao apocalipse revolucionário e a reafirmação dos anseios humanos ante o totalitarismo ideológico. São música de comoção desmedida, hiperbólica, feita para atingir multidões. Em 2005 veio uma nova versão do antigo Concerto, agora para duas vozes. Mas o público gostou mesmo da original e também não se interessou muito pela outra dezena de lançamentos populares do compositor.
          Concerto pour une Voix tornou-se ícone de uma época e acabou incorporado ao repertório de melodias que todo o mundo guarda na memória. Música previsível?  É evidente. Mas a dificuldade de se aceitar o valor de Saint Preux está apenas no medo de se ver igualado aos que creem ser a emoção independente do bom gosto.
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18 comentários:

Luiz com Z disse...

Roberto, tem textos que a gente lê e gostaria de ter escrito; e tem aqueles que a gente lê, gostaria de ter escrito e, quando chega no final, sente vontade de gritar "GOL!", até por não ter o hábito de torcer por futebol e precisar descontar essa necessidade catártica em outras atividades. Bem, essa é minha forma de dizer que adorei, e que gostaria de ter essa precisão verbal pra fazer a ponte entre a universalidade da emoção e o impossível consenso do bom gosto. Agora vou ali ouvir um Def Leppard pra cumprir com minhas demandas catárticas. Abração.

Roberto Ormond disse...

Oi Luiz, obrigado pelo comentário !
Saint Preux é mesmo uma delícia de se ouvir e cheio de facetas que não se encaixam num estereótipo fácil de se identificar. Talvez por isso traduza tão bem o caráter do personagem do Mossy no 'Ódio'.
Abraços

Marcia barcellos da Cunha disse...

Maravilhosas as músicas de Saint Preux! São de uma beleza indescritível! grata. Márcia

Marcia barcellos da Cunha disse...

Concordo com as palavras de Luiz e Roberto. Saint Preux é demais!... grata Márcia

Roberto Ormond disse...

Marcia, o que chama atenção na música dele é o exagero de sinceridade. Nesse mundo de pessoas cada vez mais frias e distantes, um pouco desse exagero nunca é demais.

Anônimo disse...

Esta foi a descrição mais precisa da musica de Saint Preux que já li. Vai sutilmente da crítica à exaltação de forma precisa quase "cirúrgica". Como admirador deste músico "fácil", considerado um compositor menor, li neste texto tudo o que pensava mas não sou capaz de verbalizar. Parabéns monsieur Roberto

Jorge Colares disse...

Esta foi a descrição mais precisa da musica de Saint Preux que já li. Vai sutilmente da crítica à exaltação de forma precisa quase "cirúrgica". Como admirador deste músico "fácil", considerado um compositor menor, li neste texto tudo o que pensava mas não sou capaz de verbalizar. Parabéns monsieur Roberto

Roberto Ormond disse...

Obrigado pelas palavras, Jorge. Procurei isso mesmo: revelar no texto a tensão que existe entre a música e as opiniões tão divergentes sobre Saint Preux. Abraço

dplc81 disse...

Olá Roberto, muito interessante o seu comentário sobre esse disco. Eu o ouvia desde criança, início dos anos 80, e voltei a ouvi-lo há alguns anos atrás. Aprecio muito o Le Piano Sous La Mer, o segundo disco do Saint-Preux, que contém um hard rock descarado, principalmente nas duas últimas faixas. Gostaria de lhe perguntar, caso saiba, qual é o track list do disco original Concerto Pour Une Voix? Pois eu nunca vi nenhuma versão em CD com as mesmas músicas do LP que ouvia quando criança. Inclusive as versões em CD tem algumas músicas a mais e outras faltando, bem estranho. Aparentemente são inúmeras versões!

Roberto Ormond disse...

Oi dplc81, há dois anos caí na besteira de emprestar meu LP do Concerto e nunca mais me devolveram. Hoje tenho só o cd, mas qualquer dia acho o disco num sebo e compro de novo. Aí vai a lista da edição do cd que tenho: Concerto; Prélude pour piano; Allégresse; Le theme du garçon; L'Archipell du souvenir; Toccatta; Divertissement; La Recontre; Le Rêve; Le Départ; La Fête Triste; Concerto; Impromptu; Adagio pour violon; Concerto pour elle; Impressions. Comprei o cd, acredite, no supermercado. É bem provável que tenham alterado as faixas sim, porque tenho outros cds relançados com alterações. Abraço

Gaúcho disse...

Ola Roberto. Excelente matéria. Por acaso tens a letra da Sinfonia para a Polônia?? claubersouza@hotmail.com

dplc81 disse...

Boa tarde Roberto, o disco de vinil, que julgo conter a versão original do Concerto, contém a seguinte sequência:

Lado A
1) Concerto Pour Une Voix
2) Prelude For Piano
3) Andante Pour Trompette
4) Concerto Pour Piano
5) Adagio Pour Trumpette

Lado B
1) Divertissement
2) Variations
3) Sonate Vendeenne
4) Allegro
5) Harmonies
6) Impromptu

Gostaria de observar que algumas faixas do seu CD (o qual também tenho) como Le Départ são de outros discos do St. Preux.

Eu conheço outras duas versões em CD que não batem com o disco original, inclusive uma em que o Concerto Por Uma Voz não é cantado pela Daniela Licari (original), e sim pela filha do próprio Saint-Preux (de forma bem inferior, em minha opinião).

Tentei contato no site do Saint-Preux para tentar esclarecer se existe alguma versão como a do LP em CD, mas aparentemente não tive e nem terei resposta.

Roland Scialom disse...

Gostei muito do seu comentário. Encontrei por acaso porque acabo de ouvir o Concerto de Saint Preux e procurei mais referências na Internet. Espero voltar a visitar seu blog.

Anônimo disse...

Foi feito para lembrar de uma série de situações, de lugares, de pessoas etc. A variedade de toques tem cada qual um propósito que se encaixa dentro da lembrança justamente para marcar a vida das pessoas.

Miriam Rocha disse...

Como estudante de Técnica Vocal avançada no Stúdio da Voz Cantada do Maestro Bruno Graça em BH MG,tenho o prazer de executar essa maravilha!! Lindo texto!

IRINEU TRENTIN JUNIOR disse...

Bom, seria como a crítica literária olhava para a “horrorosa” obra de José Mauro Vasconcelos (de “ Meu Pé de Laranja Lima) . Mas não parava um livro nas prateleiras de livrarias.

Sergio disse...

Está música me evoca uma época, e nessa época um filme. Fraco, nunca achei nos streaming. Um filme, italiano ou francês, final dos 60, de um assalto a banco. Mas continuo a procurar. Hoje a memória foi acionada por uma play list do Spotify. Amanhã qual o gatilho.

Anônimo disse...

Meu Deus ! Como é encantadora essa obra . Na me canso de ouvir Preloud Pour Piano , mexe no fundo da alma . São obras que nunca mais conseguiremos ouvir nesta geração .