quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

Pietrina Checcacci em Retrospectiva


Pensamentos, 1965  e  Tempo da Terra, 1978

Cerca de cem obras, entre telas, esculturas, selos e medalhas, foram escolhidas para a mostra 60 Anos de Arte, no Centro Cultural Correios-RJ, dedicada a Pietrina Checcacci. Nascida italiana, essa artista de temperamento afetuoso radicou-se ainda jovem no Brasil, onde se formou, na década de 1960, pela Escola Nacional de Belas Artes. Desde então, angariou prêmios e nunca parou de expor. Nos últimos anos, porém, seu nome tornou-se mais frequente nos leilões e antiquários. Uma retrospectiva contribui para divulgá-la como artista atuante, e reconduzi-la ao devido lugar.

Para o olhar atento, não passam despercebidas certas constâncias nessa produção. Marcadas pela experimentação técnica e temática, as telas iniciais de Pietrina são de um figurativismo carregado de inquietações. Mas como que transubstanciando influências e preceitos, a artista logo encontrou uma linguagem mais leve, fluida, de tons claros, que revelava mais de si e cuja exploração foi levada adiante. Essa mudança também pavimentou o caminho para sua escultura, com o aporte de preceitos materiais, físicos, mais ousados. Se parece haver um antagonismo entre as telas iniciais e as posteriores, fica claro, porém, que sempre foram dotadas de uma energia latente, reveladora de um estado de espírito que ordena as formas e estrutura as composições.

Decifra-me ou te Devoro, 1983  e  Verde e Rosa, 2020

Essa produção também é marcada por um acentuado espírito do tempo: na técnica, na paleta, na composição e, a partir da década de 1970, na visão holística que analoga o corpo humano à natureza e a forças universais. Há quem renegue abordagens desse tipo, pelo risco de excesso de subjetivismo e de uma sujeição a considerações externas à arte. Há quem resista ao fato de uma escultura poder servir como suporte de mesas, serre-livres ou atender outras utilidades, contrariando as expectativas mais estritas de separação entre arte e vida prática.

Mas é a própria artista quem explica, sem rodeios, o que há em sua obra. Em uma entrevista da década de 1980, esclarece que a opção por retratar partes do corpo se deve ao potencial plástico de mãos, pernas e braços. E que o utilitarismo das esculturas visa trazer criatividade ao cotidiano, fazendo com que arte e vida se tornem indissociáveis.

De fato, mais do que a simples cópia da realidade visível, sua obra é eminentemente plástica. Mesmo explorando um repertório específico, suas telas estabelecem diferentes evocações e analogias a partir de configurações formais. Não estabelecem nem dependem de textos ou narrativas. São, muitas vezes, paisagens derivadas de corpos. As esculturas, por sua vez, não retratam indivíduos específicos: são lisas, reluzem em cores e brilho fortes, perfeitas em sua artificialidade.

Suas telas e obras tridimensionais se complementam, tanto em preceitos quanto pelo forte espírito da Pop Art. Se na pintura Pietrina busca algo transcendente, com ecos surrealistas, sua escultura é insinuante, explora as potências da forma e exercem apelo tátil. Vale sublinhar que essas criações tridimensionais não são esculturas no sentido estrito do termo, de desbastar e polir pedras, mas no amplo, de modelagens, que lança mão de técnicas atuais como fibras de vidro e pintura industrial.

Selene, 1985

A década de 2010 assistiu a retomada de linguagens e estéticas de um passado não muito distante. Em 2021, jovens escutam Rock, vestem New Wave, cultuam antigos videogames e objetos vintage. Assistimos a revalorização do historicismo na arquitetura, o retorno dos discos de vinil, das plantas à decoração de interiores. A tecnologia e as mídias sociais possibilitaram essa redescoberta do que estava esquecido, sonegado pelos donos de narrativas oficiais. Pessoas com interesses em comum se aproximam, artistas e público se encontram em postagens na internet. Essa livre busca e incorporação de referenciais levou à emancipação individual em todos os níveis e ao consequente colapso de projetos e considerações exclusivistas da Arte. A consciência de que verdades não passavam de versões não poderia ter outro desfecho: pôs em xeque até mesmo a História dessa disciplina tal qual era estudada nos últimos séculos.

Uma visão da arte brasileira só será válida se abranger o múltiplo, as variadas correntes e vertentes em voga e que se foram, e não cânones nem recortes, com preceitos e finalidades preestabelecidos. Espaços como a Caixa Cultural, BNDES e os Centros Culturais da Justiça Federal e dos Correios têm prestado uma valiosa contribuição à divulgação de nossa produção cultural. No caso desse último, são dignas de nota as mostras dedicadas a Roberto Moriconi, Flora Morgan-Snell e artistas de linhagens mais antigas, como Edgard Cognat.

A arte das décadas de 1960 e 1970 nos parece mais próxima hoje do que parecia 20 ou 30 anos atrás. E Pietrina Checcacci tem a oferecer algo livre, telúrico, etéreo, e também sensual, ousado, a esse período de ecletismo que vivemos, ainda inclassificável.

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