quinta-feira, 29 de julho de 2021

Anthony Howe - O Constante Devir

 


A obra de Anthony Howe pertence à categoria ampla e sob muitos aspectos vaga denominada arte cinética. Ampla porque engloba criações que remontam aos Futuristas e Construtivistas russos, passando por Marcel Duchamp, Calder, Palatnik, Nicolas Schoffer e experiências da Op Art. E vaga por referir-se a obras tão díspares entre si, unidas pela simples característica de terem partes móveis.

Categorias e terminologias são convenções na arte; não devem ser tomadas ao pé da letra. Do contrário, restringem a investigação do artista e a relação do público com a obra, pelo estabelecimento de limites interpretativos e enfoques predeterminados. Convenções, portanto, têm muito de confusão e indistinção - e é precisamente disso que têm sido objeto as obras de Anthony Howe. Seus referenciais são buscados na ficção, em vez de na própria arte. Diz-se que são autômatos, quase seres vivos, convergência da biologia e avanços tecnológicos. O próprio artista contribui para fomentar essa aura ficcional, ao relacionar nominalmente as obras a seres da natureza e declarar a existência de uma dimensão futurística no que faz. 

Partindo de preceitos confusos, a fruição convencionada para as obras de Howe segue por descaminhos: A dita fusão da natureza com o artificial decorre da alusão formal a esqueletos, flores e artrópodes que, rotacionados pelo vento, suscitam a ideia de vida. O sugerido teor futurístico, por sua vez, evoca um porvir alimentado há quatro décadas pelo cinema, em que a humanidade, tendo perdido o lastro estético tradicional, criaria artefatos a partir de despojos da antiga civilização, com uma simbólica nova, de beleza peculiar, até mesmo bizarra.

Tudo isso pode parecer interessante como ficção, mas desvirtua uma produção rica e inventiva, deixando de lado seu real valor. Tão logo removidas desse cenário e consideradas à luz da própria arte, as obras de Howe conquistam uma posição de relevo na produção cinética, dialogando com suas matrizes no Futurismo, Construtivismo e Op Art. Se seus precedentes, como Schoffer e Palatnik requeriam mecanismos elétricos para o movimento controlado, as criações de Howe movem-se como cata-ventos, por forças imprevisíveis, da própria natureza. Se Schoffer e Palatnik criavam para interiores e lidavam com luz artificial, Howe produz para ambientes externos e explora a reflexão da luz solar, em consonância com o ideário contemporâneo de sustentabilidade. Muito mais do que aludir a um porvir fictício, o artista realiza, no presente, o futuro um dia idealizado: de uma arte em que convergem, física e simbolicamente, indústria e natureza.

Obras cinéticas de Nicolas Schoffer e Abraham Palatnik

A consideração dessa produção à luz de suas antigas congêneres também demonstra que, por cinéticas que sejam, consistem em armações tão pousadas sobre o solo quanto uma escultura tradicional. Elas existem como um sistema fixo, com a especificidade de que parte de seus componentes se projetam e se retraem, podendo seguir esse ciclo indefinidamente. Ao se moverem, esses componentes oferecem uma profusão de efeitos visuais derivados de suas relações não apenas entre si, mas também com as condições do ambiente e o espaço. Como uma parte dos componentes se projeta enquanto outra se retrai, a obra renova, continuamente, por sua própria natureza formal e relacional, suas possibilidades.

As criações de Howe seguem, portanto, um processo de metamorfose cíclica, em uma concepção ao mesmo tempo dinâmica e estática. Tal característica é explorada desde longa data na arte, por seus paralelos com o pensamento e a vida. Na música, por exemplo, encontra-se na polifonia da renascença franco-flamenga de Ockeghem e Dufay, cuja estrutura proporciona nem tanto uma experiência de desenvolvimento sequencial, de começo, meio e fim. Em vez disso, nessas obras prevalece uma transformação sonora pelos encontros das notas, em acordes ou intervalos, que se expandem e se propagam no espaço. Modernamente, esse recurso foi retomado por Giorgy Ligeti em obras como Atmosphères, Requiem e Lux Aeterna. Passando por vertentes minimalistas, chegou aos dias de hoje como base da chamada Drone Music. Na escultura tradicional, esse processo de projeção e retração aparece de modo contingente, mas notável, nas composições plásticas do período Helenístico e Barroco. Já na Arquitetura, pode ser encontrada nas fachadas de Borromini e, contemporaneamente, de modo pleno nas criações de Frank Gehry, cujas extrusões constituem verdadeiras irrupções da obra no espaço.

As obras de Howe, a exemplo das ideias pré-Socráticas, seguem uma alternância de contrários. Como o rio de Crátilo, são aquilo em que se tornam. São um constante devir. Não existem cristalizadas no mundo, mas em relação a ele, influenciando-o pela sua presença e sendo por ele influenciadas, realizando, nesse processo, sua natureza mais intrínseca.

A própria trajetória de Howe segue esse padrão de alternâncias. Tendo começado a carreira como pintor, encontrou os conhecidos obstáculos do meio e foi obrigado a mudar de profissão. Passou a trabalhar em uma montadora de móveis de escritório, onde entrou em contato com as potências expressivas do metal. Dessa experiência, ressurgiu como artista, sob a égide de sua atual produção cinética.

Essa é a essência de Anthony Howe, revelada em sua vida e em sua arte. Suas obras, consideradas desde o ponto de vista histórico e de suas correlações filosóficas e humanas, abrem caminhos para novas investigações e derivações cinéticas, tanto suas quanto de demais artistas - o que não ocorre quando julgadas por meras analogias biológicas e futurísticas estabelecidas pela convenção.


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