segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

Danilo Ribeiro - Do Pitoresco aos Bits


Castlevania
acrílica s/ tela, 195x260 cm
A disseminação da tecnologia digital, nas últimas décadas, tem oferecido um vasto campo de exploração para a arte. Diante das novas perspectivas, as armadilhas também se multiplicaram e muitos artistas têm incorrido em alternativas erradas. Na pintura, o equívoco mais frequente tem sido a incorporação do universo eletrônico às telas pela simples transposição, em tintas, de imagens elaboradas em computador. Outro mal-entendido tem sido a representação de indivíduos e equipamentos eletrônicos segundo tal ou qual vertente pictórica já consolidada, sem qualquer reflexão a respeito da vida contemporânea e do impacto dessa tecnologia sobre a própria linguagem da arte.

Danilo Ribeiro não cai nesses erros. Nascido em 1983, não teve na era digital um desafio a ser vencido, e sim um meio pelo qual estabeleceu sua relação com o mundo. Sua proposta, portanto, está assentada na própria experiência - uma proposta simples à primeira vista, mas que revela ousadia quando melhor analisada. Danilo emprega a estética de antigos jogos eletrônicos como meio de interpretação da realidade. Em vez de adotar o lugar-comum da frieza das máquinas, oferece a si mesmo como antítese de velhos prognósticos. Em vez de repetir o discurso saudosista, confere à sua relação um cunho histórico, de testemunho.

Não é excessivo frisar o quanto essa cultura eletrônica dos anos 80 e 90 tem de incompreensível para gerações anteriores, que estabeleceram uma relação tardia com computadores e videogames. Pode-se dizer, sem exagero, que o advento do entretenimento digital reconfigurou o processo perceptivo e interativo humano. Antigas práticas lúdicas deram lugar à solidão dos jogos eletrônicos e uma gama de personagens e cenários foi incorporada ao imaginário dos que com eles entraram em contato. Nesse sentido, a falta do convívio direto com esse repertório deixa em suspenso uma dimensão das obras de Danilo. Mas se as gerações anteriores preenchem essa lacuna com ideias de novo, inusitado, as seguintes, já nascidas em um contexto digital mais avançado, consideram, por sua vez, esse universo sob outra ótica, do vintage e do clássico.

A arte da década de 2010 tem sido pródiga nas abordagens que convergem preceitos tecnológicos, urbanos e sociais. Na produção européia e norte-americana, o multiculturalismo, a profusão de informações e alcance mundial dos meios de comunicação levaram a uma diversificação criativa e identitária como jamais vista. Em paralelo ao establishment das grandes feiras e galerias, floresceram vertentes independentes, distópicas, Retrofuturistas, Pós-Apocalípticas, Geeks, Steam e Cyberpunk, além de uma infindade de derivadas e correlatas. Tudo isso tem sido pouco assimilado no Brasil, onde a produção e o cultivo de arte se mantêm presos a um conjunto de parâmetros limitado.

É aqui onde reside o valor contextual da arte de Danilo Ribeiro. Suas telas, ao participarem dessas vertentes, demonstram que à sociedade contemporânea subjaz uma antropologia eletrônica, da qual a arte se encarrega, com liberdade. Cada um de nós leva consigo persistências digitais do passado. Cada um de nós se reporta a um conjunto de espectros tecnológicos que moldaram nosso próprio imaginário. Mas se o pintor se reporta a esse contexto pessoal, abdica, também, da ideia da obra enquanto receptáculo narcísico. Em suas telas, mesmo quando abordados o medo e o isolamento, o solipsismo é deixado de lado, em prol de parâmetros comuns a toda uma geração.
PM, da série Viagem Pitoresca ao Rio Contemporâneo
acrílica s/ tela 100x60cm
Essa abordagem geracional de Danilo não se limita à arquetípica tecnológica. Em telas como as da série Viagem Pitoresca ao Rio de Janeiro Contemporâneo, o pintor transfere para os personagens urbanos o mesmo olhar sociológico. É claro que, nesse caso, um ingrediente de humor permeia as obras, já que os indivíduos aparecem pelo que têm de genérico. Mas, ao empregar a técnica acrílica como aguada, ao modo de aquarela, o artista inclui as cenas na tradição dos pintores viajantes, fazendo com que as sutilezas do pensamento avancem igualmente sobre as referências Debret, Rugendas e Eckhout. Pouco importam a identidade e personalidade das figuras, mesmo que sejam identificáveis. São apenas personagens com os quais, a exemplo dos antigos barbeiros de rua, guardas da corte e vendedoras de quitutes, nos deparamos no atual ambiente urbano. Cada uma dessas imagens já nasce com as dimensões iconográficas do pretérito em que vivemos. Do lutador ao playboy que bebe cerveja, passando por jovens na academia, funkeiros e policiais, os personagens são desprovidos do acessório e do supérfluo, num enfoque direto sobre o papel que ocupam em nosso imaginário.

Danilo encontra na vida contemporânea a matéria-prima que tantos desperdiçam por incorrerem em concepções deficientes da linguagem da pintura. Em suas obras, a abordagem da cultura pop e eletrônica, os personagens conhecidos, as roupas e trejeitos habituais - enfim, as raízes fincadas no cotidiano mais vívido e banal, não existem como um retrato de exterioridades. Nelas, o pensamento sobre a relação do indivíduo com o mundo está desde o início presente, pela consciência da indissociação entre o objeto escolhido e os preceitos de sua abordagem.

Nenhum comentário: