sábado, 9 de outubro de 2010

Avner Dorman - Sonatas para Piano




    O ouvido não precisa mais que cinco ou seis compassos para acusar em Avner Dorman um espírito jovem e cosmopolita. Sua linguagem, afinal, é de um ecletismo cuja inspiração popular não transita apenas entre a sala de concerto e a música tradicional, folclórica - aquela vendida em nossos dias sob o rótulo de "Étnica" e repleta de vícios próprios à mistura de pós-modernismo com antropologia bom-selvagem. Não, não. Seu vocabulário vai além; transcende o ranço etnomusicológico e abrange a estética contemporânea como se o autor subisse ao palco tendo acabado de chegar de uma festa Hip Hop ou das compras num shopping center.
          Essa busca pela inovação, pelo diferente, redunda às vezes na mera fusão de estilos, quase uma World Music. Por agregar elementos e linguagens conflitantes numa mesma obra, sua escrita percorre também o terreno da pieguice. Mas Dorman não envereda por essas bandas sem preservar o caminho de volta. Se na Sonata n.1, "Clássica", de 1998, o primeiro movimento é uma sátira compassiva a Haydn e Beethoven, já o Andantino central decai pelas frases fáceis, de sentimentalismo Hollywoodiano, após uma exposição que renderia desdobramento melhor. O Allegro Molto do movimento final reestabelece o vigor e retoma a trajetória com ímpetos rítmicos e temática coerentes.
          Em "Moments Musicaux", de 2003, a ironia da criatura que transgride as intenções do criador é digna de nota. Escritas para que o intérprete demonstre mais capacidade expressiva que técnica, o que as duas peças exigem, apesar disso, é virtuosismo. É bem verdade que a primeira delas nos evoca alguma imagem asséptica, sugerida pelas notas quase aleatórias dos registros extremos. A interpretação de Eliran Avni, para quem as obras foram dedicadas, começa aqui a se mostrar. Os arpejos em pianíssimo são de grande apuro técnico, emocional e admirável percepção de tempo.
          De 1992, o Prelúdio n.1 é de um neo-romantismo palatável, quase Lisztiano, de inclinações nostálgicas e bem desenvolvida para um compositor que iniciava a vida criativa. Os recursos, contudo, são ainda incipientes e previsíveis, diferentes daqueles que seriam empregados em "Azerbaijani Dance" de 2005, cuja verve é o atestado de originalidade do autor. Nessa última obra, as notas fluem veementes, ricas em cores, eloquentes, e os rompantes de entusiasmo oferecem ao executante a oportunidade de desenvolver camadas mais elaboradas de interpretação.
          Se a Sonata n.2 tem boas passagens em seu primeiro movimento mas degenera em insultos ao ouvinte e ao piano, o mesmo não se pode dizer da Sonata n.3, marcada pela ousadia inteligente e inspiração direta no universo popular. Aqui o autor economiza meios para alcançar resultados mais francos, como se abandonasse temporariamente a crença de que para soar atual fosse preciso subverter suas próprias referências.
          O ecletismo contemporâneo, esse estilo persuasivo, sedutor, expandiu os horizontes do discurso musical e estabeleceu padrões para uma linguagem que se afastou do hermetismo hiper-racional do Séc. XX. Ao mercado globalizado, com seus costumes e comportamentos estandardizados, sucedeu-se a aceitação universal de preceitos que permitem ao compositor abordar qualquer gênero de música e manter-se independente de julgamentos baseados em critérios culturais, fronteiras nacionais ou temporais. O resultado é que a música ouvida hoje pode ser criação tanto de um Armênio quanto de um Francês ou Jamaicano.
          Será esta tendência uma nota de rodapé da História, marcada pelo hedonismo de anarquistas que misturam tudo ao bel-prazer ? Será a realização do antigo sonho de integração das culturas ? Ou será apenas uma pausa para a reflexão diante das incertezas quanto ao rumo a se tomar ?

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