quinta-feira, 30 de junho de 2011

Mykonos, uma aquarela de John Atwater


          Existem obras em que reconhecemos nossas experiências de tal forma que não podemos abstraí-las também da vida de seu criador. Travamos através delas uma cumplicidade de testemunho silenciosa, uma espécie de prazer íntimo por reconhecermos no outro, no desconhecido, algo daquilo que partilhamos mesmo sem jamais termos nos encontrado. Existe, nesse algo, mais do que as palavras descrevem; mais do que as cores compõem. Existe uma espécie de captura sincera da realidade assim como ela se nos apresenta. Existe uma gratidão pelo registro de um momento que, de tão prazeroso, demore talvez anos para se repetir.
          A aquarela de John Atwater retrata uma casa na ilha de Mykonos. É pouco depois de meio-dia, de um dia incerto; um dia por volta de 1990. Nosso olhar percorre o pequeno espaço. Sentimos a cal áspera da parede, as pedras claras sob nossos pés. Compreendemos a vida do lugar. Ou será que dele agora começamos a nos lembrar ?
          As plantas são antigas companheiras da residência. Passaram por outros vasos, inicialmente menores, até que cresceram, multiplicaram-se e ocupam outros maiores. Os vizinhos sempre pedem uma muda e levam para casa um talo na esperança de repetirem o feito. A floração, embora regular, é celebrada com alegria pelos moradores.
          Lembramo-nos de mais um pouco. Nesse dia alguém voltava de um afazer no mar ou no rio - de uma pescaria ou trazendo um velho tacho com roupas lavadas. Sentimos, nós também, o vento na pele úmida. Havíamos chegado de um banho no mar?  Não sabemos. Já faz tanto tempo... A toalha pendurada nos recorda que os moradores da casa não acompanhavam as atividades do pintor. Seria ele um intruso ? Ou pediu licença após o almoço para retirar-se da conversa e ir pintar sua aquarela num momento que julgou ideal? A imagem, de tão saturada e cores tão vibrantes, nos recorda o calor do sol nas costas. Faz silêncio - um silêncio externo, desde bem longe. Os únicos ruídos são os das folhas arrastadas pela brisa morna.
          Até pouco antes desse dia as janelas estavam ressecadas pelo sol. Lascas de tinta se soltavam. Foram então tingidas com grossas camadas de cores que cobriram as dobradiças de ferro. As paredes também receberam nova cal. Ao fundo há uma porta aberta. Para onde nos levará? Para onde nos levava?  A memória confunde-se à imaginação. Já faz tanto tempo e tardes assim nos proporcionam uma agradável pachorra depois do almoço. A porta certamente nos leva para um cômodo pequeno, caiado também de branco, um pouco mais frio. Quem saberá? Quem se lembra? Como estará a casa hoje, passados tantos anos desde aquela tarde de um dia incerto, de um ano incerto? O que importa? Basta olhar a aquarela para ela continuar lá.
          John Atwater nasceu em 1954, em Massachusetts, Estados Unidos.

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