sexta-feira, 7 de maio de 2010

Choros de Villa-Lobos : OSESP e John Neschling

     O lançamento da edição integral dos Choros de Villa-Lobos pela OSESP preenche uma enorme lacuna na discografia brasileira. Até recentemente estavam disponíveis no mercado apenas gravações dispersas das obras do ciclo e remasterizações de antigos LPs que não ofereciam uma visão abrangente da produção do compositor nos anos 1920.
          Pela escassez de interpretações comparativas alguns desses títulos permaneceram durante décadas como únicas referências acessíveis ao público e em pleno apogeu da gravação digital a apreciação de Villa-Lobos esteve subordinada às possibilidades restritas de uma tecnologia de gravação superada. É certo que os registros com o próprio compositor à frente da Orquestra da Radiodifusão Francesa são de valor inestimável. Importante também foi a reedição em Cd do álbum com os Choros de câmara patrocinado pelo Banco do Brasil na década de 1970, que tanto contribuiu para a divulgação de excelentes interpretações de Sérgio Assad, José Botelho, Noel Devos e Mário Tavares. Mas três décadas foram um intervalo excessivamente longo para o lançamento de novas gravações brasileiras dessas obras que merecem constar nos acervos de todos os amantes da música.
          Os três volumes dedicados ao ciclo receberam tratamento cuidadoso. Reproduções de Almeida Júnior, Portinari e Clóvis Graciano compõem as capas de cadernos bem trabalhados, com textos ricos e informações essenciais para a compreensão das peças. O resultado é exemplar e o preço da série completa não ultrapassa o de um concerto. Essa gravação certamente será muito comentada pelos próximos anos não só por possibilitar uma apreciação sistemática de todo o conjunto dos Choros, mas também por reunir o que há de melhor no cenário musical de nossos dias.


Volume 1 Choros No 5, 7 e 11

Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo
Regente John Neschling
Piano : Cristina Ortiz



     Algumas opiniões pouco sensíveis acusam Villa-Lobos de chamar indiscriminadamente Choros toda sua produção da década de 1920. Apesar da designação questionável para obras tão distintas em aspectos formais e instrumentais, o julgamento não poderia ser mais equivocado. Do mesmo período data uma parcela significativa de sua obra, que inclui os 12 estudos para violão, o Noneto, a Dança dos Mosquitos, as Serestas e Cirandas para piano, além dos consagrados Rudepoema e Momoprecoce.
          A linguagem musical brasileira estabelecida no ciclo dos Choros abrange campos opostos, unindo romantismo tardio à vanguarda e cultura popular numa abordagem inovadora do processo criativo. Temáticas nativas, urbanas e africanas baseadas em onomatopéias indígenas e dissonâncias em tonalidades estendidas permeiam o conjunto, determinando seu caráter eclético.
          O Choros n.11 abre o primeiro volume do lançamento. A obra de proporções grandiosas dura sessenta minutos e demonstra a habilidade invulgar do compositor para a exposição contínua e sustentação da matéria musical. Longe da brasilidade evidente em outras peças, o que se ouve aqui é uma escrita cujo tradicionalismo pode ser atribuído à dedicatória ao pianista Arthur Rubinstein. A interpretação exige de solista e orquestra uma atenção especial às constantes renovações no jogo de timbres, ritmos e dinâmicas. Atuando quase ininterruptamente, o piano confere à obra um espírito concertante refletido na gama de dramaticidades que se enriquece no decorrer das várias exposições temáticas.
          Para piano solo, o Choros n.5 contrasta com a massa orquestral da peça anterior. Após a introdução em acordes melancólicos que sugerem a sonoridade de um violão, um inesperado rompante em notas descendentes inaugura a sequência acentuadamente rítmica da parte central da obra, para em seguida reestabelecer o estado anterior. Esse ímpeto repentino mesclado a sugestões de expressividade simultâneas constituiam para Villa-Lobos um modo tipicamente brasileiro de ser. A interpretação de Cristina Ortiz desenvolve-se sobre esses aspectos de maneira coerente e bastante inspirada.
          A estréia do Choros n.7 ocorreu em 1925, após Villa-Lobos regressar de sua primeira viagem a Paris. A boa acolhida do público não chegou a influenciar a opinião final da crítica, que o considerou "repleto de extravagâncias desnecessárias". Passados oitenta anos a peça ainda conserva uma atualidade notável. Sua linguagem livre e a instrumentação inovadora possibilitam combinações ousadas como a de saxofone, fagote e violino executado à maneira de cavaquinho. Os múltiplos encontros de timbres foram explorados aqui numa interpretação elaborada que insere a obra entre as mais criativas do conjunto.


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