segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Relações culturais Brasil-Argentina

Plaza de Mayo

Numa librería anticuaria de Buenos Aires (as livrarias de usados, que chamamos de sebo), uma professora perguntava se havia títulos de arte brasileira à venda.

"Não", respondeu o vendedor, num tom de quem raramente recebia obras do assunto.

O diálogo prosseguia tímido, com o fato implícito de que nenhum dos dois sabia nada a respeito da produção brasileira.

Enquanto conversavam, comecei a me dar conta de que eu também pouco sabia sobre a arte argentina. Conhecia muito vagamente a história de um ou outro monumento e  dois ou três escultores. Talvez fosse capaz de comentar algumas telas de Pueyrredon, Antonio Berni, o famoso nu de Eduardo Sivori, as batalhas de Candido Lopez, uma paisagem de Ballerini, os índios de Ángel della Valle e, dos modernos, Mac Entyre, Le Parc e Martha Boto. Mas tudo muito isoladamente, fora de um contexto.

Na América do Sul existe esse desconhecimento mútuo. Pouco se sabe sobre a nação vizinha e, como as tentativas de aproximação cultural são perturbadas pela política, os que poderiam colaborar no incremento das relações preferem se dedicar a outra atividade.

Mas quem deseja fomentar o interesse recíproco não deve mesmo se iludir. Basta circular por Buenos Aires para perceber que os valores cultivados pelos argentinos são bem distintos dos nossos. Lá, edifícios históricos são preservados, ao passo que aqui durante décadas foram tidos como sem importância justamente pelos que deveriam protegê-los. Lá não foi aberta apenas uma Avenida Central, como a do centro do Rio no período Rodrigues Alves e Pereira Passos, mas várias, mais largas, mais extensas e mais elegantes - e que continuam em seu estado praticamente original, com poucas alterações, ao contrário do que ocorreu aqui, onde verdadeiros palácios foram postos abaixo e substituídos por medíocres edifícios modernos.

Caminhando por Buenos Aires, sentimo-nos numa capital nacional; no Rio, num lugar para onde se dirigem turistas em busca de praia. Buenos Aires, com toda a decadência econômica, permaneceu elegante, enquanto o Rio optou por tornar-se um caldeirão antropofágico. Não é preciso ser gênio para descobrir que o Rio não deixou de ser a capital com a transferência para Brasília. Muito antes, quando demoliam o primeiro edifício na Avenida Central, a cidade já abdicava do posto

Na librería anticuaria separei os títulos de arte argentina à venda e programei uma visita ao Museo Nacional de Bellas Artes para a manhã seguinte.

Chegando lá, descobri artistas que não conhecia e tomei contato com uma produção que negava idéias tidas como inquestionáveis no Brasil. Comprei mais e mais livros e revistas, tomei nota de outras exposições e por dias seguidos fui a galerias, ao Palais de Glace, aos Centros Culturais Borges, Recoleta, e vi uma arte latina que não circula entre nós: Linda Kohen, Vidal Lozano, Noemi Gerstein, entre tantos outros que passei a admirar.

Até que a estadia chegou ao fim.

No aeroporto, eu ainda rogava pragas à esculhambação brasileira quando me dei conta de que, com quarenta e cinco quilos de livros e ultrapassando em muito o limite de carga, haviam despachado minha bagagem sem que a tivessem pesado.

Descobri então que os argentinos que eu tanto admirava por manterem uma capital linda deixavam pouco a pouco de querer parecer diferentes de nós. "Quem sabe aquela professora da librería também não vai ao Brasil e se apaixona por nossa arte?" - eu pensei.

Mas a integração cultural já caminhava a passos bem mais largos.

Na semana seguinte, Cristina Kirchner mandava demolir um monumento em frente ao palácio presidencial.

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