segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

O Busto de Villa-Lobos

Anos atrás comprei numa loja de usados esse pequeno busto de Villa-Lobos. Já tinha visto de outros compositores, em metal, mas de nosso maestro e em biscuit para mim foi novidade. Não sei de quando é, e na assinatura lê-se apenas M.Braga. Uma inscrição na parte inferior da base também parece apagada.

Gosto de olhá-lo enquanto escuto o ciclo de Choros e outras de suas peças, como o Noneto, a Floresta do Amazonas ou o Quarteto para sax, flauta, harpa e celesta. A experiência traz à tona algo que parecia esquecido em minha alma.

Villa-Lobos criou obras que são a expressão máxima do que temos de único. Nelas, tradição e modernidade caminham juntas. Melancolia e entusiasmo se alternam; evocações simultâneas nos envolvem tanto por audácias num curto solo quanto por prolongadas e caudalosas massas orquestrais. Tudo isso revela a essência de uma cultura múltipla, diversificada e miscigenada. Tudo isso revela um espírito de - como reparava Debret já no século XIX - grande vivacidade, fértil em projetos e subjugado por desejos que rapidamente se sucedem.

Na última década, à crescente disponibilidade de interpretações de Villa-Lobos na internet correspondeu uma diminuição de sua a presença nas salas de concerto. Hoje, raramente tenho oportunidade de ouvi-lo ao vivo e, como adepto de um culto proibido, promovo cerimônias domésticas ao som de antigas gravações.

Diante do busto e insubmisso à destruição cultural do país, ouço os Choros imaginando o dia em que acordaremos do pesadelo. Será um amanhecer glorioso, passada a longa noite de terror. Por isso, diante do quadro melancólico é impossível não ser tomado pelo entusiasmo repentino. É impossível não se deixar levar pela vivacidade dessa música. É impossível não se tornar uma pessoa fértil em projetos, tão embriagadamente fértil a ponto de subjugar-se por desejos que rapidamente se sucedem.

A música de Villa-Lobos oferece um vislumbre daquilo que o Brasil merece voltar a ser: um país com um amanhã. Porque revela o brasileiro que temos em nós.

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