quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Para além da saudade

Cinema Caruso, 1983 - Av. N.Sra de Copacabana, altura do Posto 6
Publicado no Jornal Copacabana, edição 243 

Todos nós temos boas lembranças do bairro onde nascemos, e a Copacabana que conheci 30 anos atrás já começa a parecer bem diferente da atual. Não digo melhor nem pior, apenas diferente. Isso porque a vida passa e com ela mudam hábitos e gostos; mudam os lugares que frequentamos, mudam vizinhos e conhecidos. No lugar entram novos amigos, novos costumes, novas lojas, desejos e interesses. E do que passou ficam recordações e saudades.

A Copacabana de trinta anos atrás era um bom lugar para se viver, mas ainda não tinha equipamentos urbanos hoje considerados básicos. Não havia ciclovia na praia nem iluminação noturna na areia, e quem quisesse andar de bicicleta precisava pedalar sobre o calçadão, entre idosos e carrinhos de bebês. Era preciso cuidado para não atropelar nem o sorveteiro nem os turistas, que insistiam em acreditar que frearíamos para dar passagem. Quando deixamos o saudosismo um pouco de lado percebemos o quanto a ciclovia difundiu a bicicleta como hábito mais ordenado e seguro, fazendo com que tantos abraçassem a ideia de que era bom curtir a praia sobre rodas.

Na Copacabana de 30 anos atrás não havia metrô e onde hoje está a estação Siqueira Campos existia o antigo Posto de Saúde. Improvisado numa construção quase centenária, seu contraste com os prédios modernos deixava o ar carregado de reminiscências da primeira ocupação do bairro. Para completar o bucolismo, em época de vacinação um conhecido vendedor de balões aparecia com variado cardápio de algodão-doce. Dependendo de como haviam se comportado na hora da injeção, as crianças podiam escolher entre as opções oferecidas. Mas isso, infelizmente, não era regra. A década de 1980 era a das vacas magras e, para a maioria, o docinho que não pesava nada no estômago pesava muito no bolso.

Ao lado do Posto de saúde, o Batalhão da Polícia contava com excelente corneteiro. Durante o dia, ele fazia a chegada do comandante e da troca da guarda serem ouvidas à distância. Os toques eram tão parte da paisagem sonora a ponto de uma das diferenças mais notadas pelos moradores, no período das obras do metrô, ter sido o fim de suas atividades. Nas festas e comemorações também era costume a execução do Hino Nacional pela banda da corporação, e também de outro, belíssimo e hoje pouco lembrado, o da Polícia Militar. Às vezes ocorriam desfiles, os soldados marchavam ao redor do quarteirão, e ainda há quem se lembre do dia em que, para a satisfação de todos, a banda tocou por horas seguidas, sob aplausos dos moradores nas janelas dos edifícios.

A Copacabana de trinta anos atrás também era um bairro de lojas mais simples, com luzes fluorescentes, paredes brancas e estoque à mostra. O comerciante encomendava placas de vidro, prendedores de plástico e montava ele mesmo prateleiras e balcões. Nos meses quentes, oferecia como refresco ventiladores de teto ou fixados à parede, já que poucos estabelecimentos contavam com ar condicionado. O calor era bastante comum nas lojas, mas como fregueses e funcionários se conheciam de longa data, a conversa desviava a atenção da falta de conforto durante as compras.

Nessa Copacabana também não existia a praticidade do restaurante a quilo e o almoço era mais demorado, sempre escolhido no cardápio e servido pelo garçom, independente do grau de sofisticação da casa. Tomar o café da tarde também era um programa bem diferente, pois as atuais cafeterias com variados brownies, tortas e pannes de chocolate não passavam de uma ideia distante. Havia, sim, ótimas lanchonetes, que serviam mil-folhas, sonhos, bombas pretas e brancas, e havia também o velho e popular balcão do bar. Para os mais abastados, os hotéis ofereciam buffets, mas na maioria das vezes tomava-se café em casa mesmo, com os avós, tios e amigos, costume infelizmente perdido.

É, os tempos mudam e Copacabana era definitivamente outra. Amamos vê-la em antigas fotografias, mas não abrimos mão da internet para compartilhá-las. Amamos recordá-la, mas gostamos da ciclovia, da praticidade da comida a quilo, do metrô, das novas lojas e cafeterias. Aos que amam demais o passado, vale lembrar que precisamos viver bem o presente para que se torne a boa recordação de amanhã. Assim, desfrutemos a vida de hoje, o máximo que pudermos, na Copacabana que ainda existe para além da saudade!


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