sexta-feira, 7 de maio de 2010

Tradição e Renovação na obra de Andrea Palladio



Intelectual humanista e admirador das tradições clássicas, Andrea Palladio morreu em 19 de Agosto de 1580. Tinha 71 anos. Sua arquitetura honrava a Antiguidade. Seu nome atravessava fronteiras, encimando um influente Tratado que os séculos se encarregariam de legitimar.
P
oucos registros de sua formação resistiram ao tempo. Sabe-se que aos 13 anos iniciou-se na arte da escultura e entalhe no atelier de Bartolomeo Cavazza da Sossano. Em 1524 aparece inscrito numa corporação de pedreiros e logo estará associado a uma importante oficina. Em 1538 trava contato com Giangiorgio Trissino, responsável pelos novos rumos que sua carreira iria tomar. Três anos depois partem ambos para a primeira de uma série de viagens de pesquisas históricas, publicadas em 1554 sob o título "L'Antichità di Roma".
 
 
Frontispício de "Antichità di Roma", edição de 1567
 
Até então Andrea Palladio havia sido Andrea di Piero. Palladio foi o nome sugerido por Trissino em homenagem a Pallas Athenas, patrona das Artes, que sintetizava o caráter do amigo e protegido. Suas atividades como arquiteto tiveram início promissor, mas marcado pela perda do companheiro em 1550. No mesmo ano conheceu Daniele Barbaro, nobre intelectual cuja família reunia filólogos e estudiosos de Aristóteles. Barbaro preparava uma tradução dos Dez Livros de Arquitetura de Vitrúvio e a ajuda de seu novo amigo, versado nas obras de Leon Battista Alberti e Sebastiano Serlio, seria de enorme importância para a elaboração das ilustrações. Durante os trabalhos Palladio vislumbra a publicação de um Tratado contendo suas próprias descobertas e pensamentos. O projeto passará por inúmeras adaptações e as mudanças resultarão nos "Quatro Livros de Arquitetura", editados em 1570.
Já em finais da década de 1540 sua reputação se estabelece com projetos para 'Villas' nos arredores de Vicenza. Como demonstram os desenhos publicados nos 'Quatro Livros', Palladio atingiu muito precocemente seus ideais e no decorrer de toda a vida pouco acrescentou ao traçado desenvolvido durante esses primeiros trabalhos.

Villa Forni-Cerato em Vicenza, projetada na década de 1540

Sua carreira seguirá uma trajetória sempre ascendente. Em 1549 é contratado como Arquiteto da Basílica de Vicenza. Em 1566 recebe um convite para a Academia de Florença e em seguida propostas de trabalho em Viena. O ano da publicação dos "Quatro Livros" será o da consagração, com a outorga do título de Arquiteto Consultor de Veneza.
Nessa cidade seus serviços abrangem reformas, execuções e desenhos originais. Para a igreja de San Francesco della Vigna concebe a fachada, dominada por um pórtico de colunas monumentais. Para San Giorgio Maggiore e Il Redentore realiza projetos integrais que acrescentam ao patrimônio urbano duas de suas grandes obras.

San Francesco della Vigna em Veneza, numa pintura de Canaletto


 
Igreja na Ilha de San Giorgio Maggiore, Veneza

Quando morreu, Palladio deixou trabalhos que seriam concluídos por Vincenzo Scamozzi, outro importante protegido da família Barbaro. Seus escritos continuaram a ser difundidos por toda a Europa em várias traduções e reedições. Um de seus maiores admiradores, o inglês Inigo Jones, chegou mesmo a procurar Scamozzi para adquirir alguns desenhos originais e a edição dos 'Quatro Livros' que atualmente fazem parte do acervo da biblioteca do Worcester College, em Oxford. Os projetos de Jones para The Banqueting House, em Whitehall e The Queen's House, em Greenwich, dão testemunho de seus estudos da obra Palladiana e confirmam a influência do arquiteto italiano sobre grande parte da intelectualidade britânica.
Graças ao tratadista Isaac Ware e seu patrono Richard Boyle, 3o Conde de Burlington, foi publicada em 1738 uma importante edição em língua inglesa dos "Quatro Livros". Junto ao tratado "Vitruvius Britannicus" de Colen Campbell e à tradução anterior organizada pelo veneziano Giacomo Leoni, lançados em 1715, a edição fomentou o interesse pela consolidação de uma linguagem arquitetônica nacional baseada na reinterpretação das idéias de Palladio. Todo esse esforço resumia uma reação à estética barroca e sua forte identificação com o Catolicismo. Após releituras e adaptações as villas italianas foram então transplantadas em solo inglês e logo chegariam aos Estados Unidos, propagadas pelo entusiasmo de Thomas Jefferson.
Na América outro admirador de Palladio foi James Hoban, autor do projeto para a Casa Branca. Seu traçado estabeleceu-se como modelo de edificação institucional e fomentou nos meios intelectuais uma associação entre tipologia clássica e valores democráticos. A arquitetura surgida em pequenas cidades do interior italiano alcançava assim uma projeção jamais imaginada por seu idealizador.

 
Frontispício da edição inglesa dos Quatro Livros, de 1738, 
publicada por Isaac Ware


As Villas Palladianas

Villa Chiericati

Situadas nos arredores urbanos, as 'Villas' eram moradias que atendiam à produção agrícola ou serviam de refúgio a famílias abastadas. Sua concepção arquitetônica parte de um esquema simétrico determinado pelo bloco central destinado à residência, o chamado 'Piano Nobile'. O conjunto dispõe de uma loggia de acesso à edificação que se diferencia em altura e confere aos elementos da composição uma hierarquia facilmente identificada. A função básica dessas loggias era a de abrigar as visitas até a chegada do anfitrião, que as conduzia em seguida à grande sala central.
O repertório de elementos arquitetônicos de Palladio foi extraído em grande parte de seus estudos sobre a Roma Antiga e está registrado em detalhes nos 'Quatro Livros'. Na Villa Pisani de Lonigo o arquiteto utilizou as aberturas em arco tripartidas características das termas de Diocleciano. No mesmo projeto encontra-se também outra de suas particularidades. Os relatos de uma antiga fortaleza situada no terreno o inspiraram a empregar a técnica da rusticação no revestimento da loggia de acesso. Essa ornamentação tão em voga no Renascimento era identificada como símbolo de prestígio dos proprietários e Palladio soube explorá-la certamente com base nos conhecimentos adquiridos durante a formação como entalhador.

Villa Pisani (Bagnolo) - Planta

 
Villa Pisani (Bagnolo) - Fachada com rusticação

 
Villa Pisani (Bagnolo) - Saída para a Fachada Principal 

Razões históricas também justificam o emprego de pórticos em suas villas. As lacunas do Tratado de Vitrúvio - que não aborda as fachadas das construções civis da Roma antiga - o teriam levado a dispor esses elementos no bloco destinado ao acesso principal das edificações. Após quinze séculos, os escritos mais importantes da arquitetura eram rematados pela criatividade de seu mais ilustre admirador.
Vários outros elementos arquitetônicos reencontraram lugar no vocabulário Palladiano. Do Livro IV do Tratado inacabado de Sebastiano Serlio saíram os arcos colunados com vãos laterais empregados no Palácio della Ragione. Do Panteão romano seria aproveitada a composição volumétrica que deu origem a seu projeto mais conhecido, a Villa Rotonda. Balaustradas tomaram o lugar de platibandas e as esculturas antes dispostas em nichos ou pedestais firmaram-se no coroamento das edificações.

Os arcos do Tratado de Sebastiano Serlio e o Palácio della Ragione de Palladio

Ao estabelecer novos critérios para o emprego dos elementos arquitetônicos da Antiguidade, Palladio contribuiu para a reabilitação de uma linguagem suplantada pela simbólica Cristã. No decorrer dos séculos o caráter de renovação de suas idéias deu origem às importantes variações regionais européias, americana e russa. No entanto surgiram também as imitações que, repetidas à exaustão, resultaram no emprego de um esquema pré-determinado cujos objetivos eram meramente estéticos.
Misto de pensador e arqueólogo, Palladio representou os últimos lampejos no entardecer de uma época de gênios. Sua vida resumiu as aspirações artísticas e intelectuais do homem renascentista, percorrendo antigos caminhos para desbravar novos horizontes.

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2 comentários:

Anônimo disse...

As músicas de Christian Langlade (Saint Preux)retratam o estado de espirito de alguém! Cada um usa de um jeito que exprime um sentimento próprio, adornado por essa linguagem sonora. Melancólica? talvez! mas de mau gosto, nunca! A associação do som a essa imagem não está correta.
Os equivocos ficam por conta de quem não faz o bom uso da coisa.

Roberto Ormond disse...

É fácil constatarmos no cotidiano que a expressão de nossos estados de espírito ora funde-se ao bom gosto, ora rebela-se contra ele; não é uma atividade livre ou independente na constituição humana. O mesmo é válido para a arte. O retrato do estado de espírito de alguém não dá origem, necessariamente, a obras de bom gosto. E a música de Saint Preux é interessante justamente por nos mostrar que o juízo estético jamais deve ser o único critério de avaliação de uma obra ou de seus apreciadores. Pois a rebeldia contra o que consideramos bom gosto é muitas vezes imprescindível a nossa expressão mais direta e sincera.

Abraços